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Jornadas exaustivas, estigma e medo de represálias afastam pilotos do tratamento e afetam a segurança operacional
A rotina dos pilotos, marcada por longas jornadas, alta responsabilidade e pressões constantes, tem exposto um desafio pouco visível: o impacto da saúde mental na segurança aérea. Pesquisas nacionais e internacionais revelam que sintomas depressivos e outros transtornos psicológicos afetam uma parcela significativa desses profissionais, mas o estigma e o receio de represálias ainda afastam muitos do diagnóstico e do tratamento.
A saúde mental dos pilotos ganhou destaque na imprensa e em alguns círculos acadêmicos, assim como entre as agências reguladoras ao redor do mundo, após o acidente do voo Germanwings 9525, em 2015.
A investigação concluiu que o copiloto, diagnosticado com depressão, provocou deliberadamente a queda da aeronave, resultando na morte de 150 pessoas. O episódio evidenciou a necessidade de abordar de forma sistemática as condições psicológicas dos profissionais da aviação.
Segundo pesquisa liderada pela Harvard T.H. Chan School of Public Health, 12,6% dos pilotos que responderam de forma anônima ao questionário PHQ-9 atingiram o escore indicativo de depressão clínica, e 4,1% relataram pensamentos suicidas nas duas semanas anteriores ao levantamento?.
Os dados revelam que centenas de pilotos em atividade apresentam sintomas depressivos e, muitas vezes, evitam buscar tratamento por medo de consequências profissionais, como a suspensão da licença de voo.
Estudos brasileiros, como o conduzido por pesquisadores do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Centro de Medicina Aeroespacial, da Força Aérea Brasileira, corroboram a preocupação.
Análise sobre os aspectos psicossociais do trabalho e transtornos mentais comuns em pilotos civis no Brasil apontou que fatores como pressão por desempenho, sobrecarga de trabalho e conflitos de valores corporativos elevam o risco de sofrimento psíquico?. Em muitos casos a pressão autoimposta é um dos fatores contribuintes até mesmo para acidentes.
O ambiente de trabalho dos pilotos é caracterizado por turnos irregulares, noites mal dormidas, mudanças frequentes de horários e elevada responsabilidade. Segundo o estudo da Harvard T.H. Chan School of Public Health, o uso frequente de medicamentos para dormir está associado a uma maior prevalência de depressão: 33,3% dos pilotos que tomavam medicação para o sono três ou mais vezes por semana apresentaram sintomas depressivos.
No contexto brasileiro, a falta de reconhecimento profissional, a instabilidade contratual e em alguns casos a precarização das condições de trabalho, sobretudo em determinados segmentos da aviação geral, são destacados como fatores de risco adicionais.
Os três principais eixos que contribuem para o adoecimento mental de pilotos são:
O estudo de Harvard ressalta que o estigma é uma das maiores barreiras para a busca de apoio psicológico, agravando quadros depressivos em silêncio.
Problemas psicológicos entre pilotos representam risco direto à segurança operacional. Fadiga mental, dificuldades de concentração, alterações de humor e impulsividade podem comprometer a capacidade de julgamento e a condução segura dos voos.
Apesar do aumento da conscientização sobre a importância da saúde mental na aviação, as iniciativas concretas de suporte ainda são limitadas. Alexander Wu, autor principal da pesquisa de Harvard, alerta que centenas de pilotos convivem com sintomas depressivos sem acesso adequado a tratamento.
O estigma associado aos transtornos mentais e o medo de consequências profissionais dificultam o acesso a diagnóstico e tratamento. Estudos apontam que, em profissões de alta responsabilidade como a aviação, admitir vulnerabilidade emocional ainda é visto como sinal de fraqueza.
No Brasil, a cultura da "invulnerabilidade" é reforçada pela expectativa de resiliência extrema dos pilotos, aumentando o risco de adoecimento grave.
Os sintomas mais relatados incluem insônia persistente, perda de interesse em atividades cotidianas, fadiga constante e alterações de apetite. Muitos pilotos também demonstram sinais de síndrome de burnout.
A pesquisa de Harvard identificou maior prevalência de depressão entre pilotos que utilizavam medicamentos para dormir ou que relatavam assédio no ambiente de trabalho. O estudo brasileiro também aponta a sobrecarga e o conflito de valores como fatores centrais para o sofrimento mental.
"Centenas de pilotos atualmente em operação convivem com sintomas depressivos sem acesso a tratamento adequado, devido ao medo de impactos negativos na carreira", destaca Alexander Wu.
Especialistas defendem políticas institucionais para normalizar o cuidado com a saúde mental na aviação. As medidas recomendadas incluem:
Além das iniciativas institucionais, os próprios pilotos podem adotar práticas para preservar sua saúde mental:
O tratamento precoce reduz significativamente os impactos dos transtornos mentais e favorece a recuperação do paciente. O cuidado com a saúde mental dos pilotos é não apenas uma questão de cuidado pessoal, mas também fundamental para a segurança da aviação.
Superar o estigma, ampliar o suporte institucional e estimular a conscientização individual são passos essenciais para proteger os profissionais que dedicam suas vidas ao transporte aéreo, passageiros e pessoas no solo.
A aviação, historicamente reconhecida pela superação de desafios técnicos, precisa agora aplicar o mesmo rigor no enfrentamento dos desafios invisíveis da mente humana.
Por Alexandria M.S. Fernandes
Publicado em 15/08/2025, às 16h29